Escritora quilombola resgata ancestralidade e autoestima com livros infantis: 'Reconhecer nosso potencial'
12/10/2025
(Foto: Reprodução) Escritora quilombola resgata ancestralidade e autoestima com livros infantis
Alisson Bomfim
As experiências da primeira infância marcam a vida de uma pessoa. O racismo, especialmente nessa fase da vida, pode definir a autoestima de crianças negras. Na atuação enquanto professora de educação infantil, a também escritora Bárbara Ramos notou essas feridas nas crianças com as quais trabalhava no Quilombo Pesqueiro Graciosa, localizado em Taperoá, cidade do baixo da Bahia, e decidiu usar a literatura para trabalhar essas questões.
"Eu percebi que nossas crianças, mesmo fora da comunidade - porque elas estão em outros lugares de escola formal - elas não se reconheciam como menina (o) negra, como menina (o) preta ou não achava belo, não se via bonito", conta a escritora quilombola, em entrevista ao g1.
Autora dos livros infantis "A Princesa Arany" (2024) e "O Príncipe Akili e os Mistérios da Terra" (2025), a baiana abordou temas ligados à tecnologia e saberes ancestrais, autoestima e negritude. Através das histórias lúdicas, a autora apresenta para o público infantil uma faceta de força e beleza, tradicionalmente ofuscada pelo racismo estrutural.
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"É preciso que a gente dê grandes passos, mas a gente só vai conseguir dar grande passos a partir da gente se reconhecer, reconhecer o nosso potencial, a nossa beleza. [Se] a gente sair desse lugar que nos disseram — e com muita perversidade — que somos as pessoas atrasadas, que moramos em lugar de atraso e que a gente, se desobedecesse, e sofria castigo", pontua.
Também natural do Quilombo Pesqueiro Graciosa, Bárbara olhou para a própria vida e para o dia a dia daquela comunidade para resgatar essas noções de autoestima e valor. Pensando em contrastar o estigma destinado às pessoas negras, ela trouxe duas perspectivas de realeza e potência: a aparente simplicidade de uma princesa e a força de ver realeza no próprio dia a dia.
"A capa é uma menina simples da comunidade, bem livre, de sandalinha, de roupinha mais simples. Para dizer assim: você é princesa e não precisa de fantasias, vestidão, coroa", diz Bárbara sobre "A Princesa Arany".
"A capa [do livro 'O Príncipe Akili e os Mistérios da Terra'] com um menino negro, com seu corpo único e traços históricos do seu povo e ele traz, como ponto principal, a beleza que ele tem por ele mesmo, o amor que ele tem por ele mesmo", afirma.
Escritora quilombola resgata ancestralidade e autoestima com livros infantis
Geovana Ramos
Além da dor
Vinda de uma família de tradição pesqueira e com dez irmãos, Bárbara Ramos ressalta que as dificuldades econômicas e do preconceito fazem parte da história da infância dela, assim como de muitas crianças negras. Ainda assim, a escritora decidiu não falar de dor em suas obras, como uma forma de ressignificar a autoimagem dessas crianças.
A estratégia não é uma forma de ignorar ou apagar o passado enfrentando historicamente pela negritude, mas uma alternativa para evitar que esta seja a narrativa prevalente no imaginário infantil.
"Tomo uma decisão na minha escrita de não falar desse lugar perverso, de dor, esse de muita mágoa, que deixa nossas crianças cabisbaixas na sala de aula, que elas não conseguem dar um passo, fazer uma contribuição", pontua.
Com essa abordagem, a escritora pretende promover o autorreconhecimento e transmitir o valor dos saberes tradicionais comumente passados de uma pessoa para outra. Além disso, reforçar que carregar a ancestralidade não significa apenas reviver o sofrimento.
"[Quero] dizer a elas: 'Olha, aqui é o seu é o nosso povo. Olha quanto poder, quanta coisa bonita eles conseguiam fazer', a partir do nosso contexto. Dos nossos apetrechos de pesca, mostrar que não é qualquer pessoa que faz um tamburá, uma rede. É preciso ter muita ciência, nossa ciência", ressalta.
Escritora quilombola resgata ancestralidade e autoestima com livros infantis
Nildo Sacramento
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